Clarice Maia Scotti

minhas (nada curtas) notas sobre o #meganão ao #ai5 digital em bh

o ato público contra o ai5 digital ontem em bh foi um sucesso. excelentes apresentações, teatro lotado, muita gente querendo participar e dar os seus 2 centavos, mas infelizmente o tempo era curto. apesar de alguns comentários da platéia serem realmente interessantes e pertinentes, muitos se alongaram demais. uma coisa coisa que me ocorreu foi que nos próximos os comentários deviam ser no formato twitter, 140 caracteres e só (eheheh). outra idéia foi que o movimento podia criar uma comunidade no ning pra todo mundo poder compartilhar essas experiências com o devido espaço. ficam as idéias...

enfim, vamos ao evento.

na porta tinha uma turma de simpatizantes do projeto distribuindo um papel tosco dizendo que tudo o que se atacava no projeto era mentira. o papel era tão mal escrito e bagunçado quanto o próprio projeto, e não foi difícil para a mesa desconstruir cada argumento. inclusive é curioso que os caras foram convidados a entrar no evento, até a participar da mesa e expor seus pontos de vista, mas ninguém aceitou. fácil imaginar o motivo, né?

antes de o debate começar, o pedro paulo cava, dono do teatro, foi convidado a dizer algumas palavras. ele reiterou a importância do debate democrático e o fato de o teatro estar de portas abertas para o azeredo caso ele se interesse em debater com o público.

ele também contou uma história pessoal importante para ilustrar como pode ser perigoso esse vigilantsmo na internet. segundo ele, há algum tempo atrás ele recebeu um email criticando a secretária estadual de cultura, que vinha desagradando sistematicamente a classe artística com suas decisões questionáveis. como qualquer ser humano engajado com suas causas, ele reencaminhou o email para sua lista de contatos. à noite, foi surpreendido por um oficial da polícia que queria, sem qualquer documento legal, intimá-lo a depor na delegacia e promover uma busca em seu apartamento e em seu computador! por reencaminhar um email! acabou que a ameaça de exposição de tamanha arbitrariedade fez com que ele fosse tratado como "testemunha" e não como "réu", mas não é difícil imaginar o que poderia acontecer se esse projeto do azeredo estivesse em vigor! e não custa relembrar que o tal email criticava uma secretária do governo aécio...

introdução

a apresentação começou com a fala do sérgio amadeu, que falou brevemente sobre as diferenças básicas entre a internet e os meios de comunicação de massa. enquando estes produzem e enviam um conteúdo "pronto" pra consumo, aquela se baseia na troca, na interatividade, e nem mesmo seu formato pode ser considerado "pronto" pois está em constante evolução. não apenas os conteúdos, mas as interfaces, tecnologias e protocolos que constituem a internet estão em constante mudança e aprimoramento pelos seus usuários. isso incomoda aos conservadores, que não têm mais o controle, já que a internet prima pela liberdade.

é claro que ninguém defende que, por isso, a internet deva ser uma selva, uma terra de ninguém, mas para não matar sua própria essência, "é preciso buscar o equilíbrio entre liberdade e controle, privacidade e vigilância, anonimato e segurança". esse é o maior perigo do PL do azeredo. o projeto é tão extremamente amplo e mal-escrito que transforma em criminosas pessoas que instalam o windows que compraram em outro computador que não aquele em que ele veio originalmente (ainda que desinstale do primeiro), transferem músicas de um cd para um mp3 player para consumo próprio e baixem filmes para assistir em casa e apagar depois.

a quem interessa a aprovação do PL do azeredo?

foram apontados quatro alvos principais do projeto:

1) a pedofilia
todos os debatedores foram unânimes em dizer que a pedofilia já é crime, e que ela acontece no mundo real, não na internet. quem quer realmente combater a pedofilia deve ir às ruas, onde ela está. inclusive o túlio vianna fez a observação fundamental: não é caminhoneiro que compra virgindade de criança. quem faz isso é o peixe grande, o empresário, o político. por isso combater a pedofilia é tão difícil, e ao mesmo tempo é tão importante pra eles fingirem que estão preocupadíssimos e tomando atitudes.

2) a pornografia infantil
outro crime que já existe e possui legislação própria, a lei nº 11.829, de 25/11/2008, uma alteração da lei de 1990 adequada à nova realidade proporcionada pela internet. vale lembrar que um participante da platéia, em outro momento, atentou para o fato de ser muito mais importante e produtivo fazer cumprir as leis já existentes do que criar novas leis para os mesmos crimes.

3) as fraudes bancárias
as fraudes ocorrem porque os sistemas de segurança bancários são falhos. hoje em dia, é financeiramente vantajoso para os bancos continuar apenas indenizando os clientes vítimas de fraudes que vão atrás dos seus direitos (sim, há os que não vão e o banco acha ótimo), em vez de investir em sistemas realmente seguros, como a assinatura digital. os defensores da PL do azeredo alegam que a criminalização dos fraudadores coibiria esse tipo de crime, mas esquecem que: 1) o criminoso de verdade vai continuar sabendo burlar a segurança pífia que os bancos oferecem hoje, e 2) estelionato, roubo e afins tb já são crimes, e se não são punidos hoje não será essa lei que fará com que sejam. enfim, é bom não esquecer que os bancos, os donos do dinheiro, têm muito interesse na aprovação dessa lei, e esperam que ela ajude a empurrar para mais o longe possível o inevitável momento em que eles terão que gastar uma bela grana em um sistema de segurança de verdade.

4) a pirataria
esse pode não ser o pior crime, mas é na minha opinião o ponto mais polêmico, pois é o que criminaliza praticamente 100% da população com acesso à internet (ainda mais agora que vi que até o senado tem seu diretório de "cultura alternativa", nem o próprio azeredo se safaria dessa). para começar, o idelber avelar afirmou haver aí o que ele chama de abuso terminológico: o termo "pirata" remete àquela imagem dos salteadores dos mares, que roubam, matam e não possuem escrúpulos nem caráter. além disso, a definição de pirataria aplicada à violação de copyright implica em ganho material, que não é o que ocorre na internet, onde vemos as redes peer-to-peer possibilitando trocas de arquivos entre os usuários. o uso de obras protegidas por copyright para fins lúdicos e não-comerciais é legítimo, e é posto em risco por esse PL. (não por acaso, ao imaginar a tentativa de criminalizar todos que fazem esse uso dessas obras, me veio à cabeça a lembrança do alienista de machado de assis...). vale lembrar que, mesmo sem essa lei em vigor, a APCM conseguiu tirar do ar sites, blogs e comunidades de compartilhamentos de músicas, filmes e legendas.

outro ponto de vista interessante foi levantado pelo túlio vianna. ele disse que fica indignado com esses discursos antipirataria que comparam a cópia de um dvd ao roubo de um carro. copiar é diferente de roubar, pois não implica em subtração, o objeto copiado permanece intacto. assim como ele não vê problema em copiar dvd, ainda acrescentou bem-humorado: "se eu tivesse como copiar um carro, eu copiava também!"

finalmente, derrubando o argumento emocional de que a "pirataria" prejudica o artista, fica o registro: muitos autores de livros disponíveis para download gratuito em pdf não veem diminuição nas vendas do mesmo livro em papel. e músico ganha dinheiro é com show, não com venda de cd, que enriquece é a gravadora. eu mesma já recebi comentários e emails de artistas de outros estados, cujos álbuns eu disponibilizei pra download em outro blog, agradecendo pela divulgação do trabalho deles!

alguns trechos do projeto, destacados pelo sérgio amadeu

(...)
I – dispositivo de comunicação: qualquer meio capaz de processar, armazenar, capturar ou transmitir dados utilizando-se de tecnologias magnéticas, óticas ou qualquer outra tecnologia;
II – sistema informatizado: qualquer sistema capaz de processar, capturar, armazenar ou transmitir dados eletrônica ou digitalmente ou de forma equivalente;
(...)


como bem disseram ontem, por essa descrição até um tacape pode ser considerado dispositivo de comunicação...

"Art. 285-A. Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso.

Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível."


"o ato comum e corriqueiro de passar uma música de um cd para um pendrive se tornará crime, se isto estiver em desconformidade com autorização do legítimo titular do dispositivo de comunicação" (sérgio amadeu)

também são transformados criminosos milhares de fansubbers e criadores de fanfics, além de pôr sob suspeita todo tipo de rede p2p.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.


não lembro quem comentou sobre a pena descabida: invadir uma casa, que é uma propriedade privada e física, atualmente dá de um a três meses de reclusão!

Art. 22. O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público é obrigado a:
I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;
§ 1º Os dados de que cuida o inciso I deste artigo, as condições de segurança de sua guarda, a auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão definidos nos termos de regulamento.


antes de mais nada: esse "regulamento" ainda não existe! ninguém sabe ainda o que pode ser determinado por ele! essa lei promove insegurança jurídica, aumenta o custo das comunicações e ainda cria um mercado de auditorias, inviável para pequenas e médias empresas, além de eliminar o direito à navegação anônima – o que pune apenas os cidadãos de bem, porque o mal-intencionado e criminoso consegue burlar facilmente essa vigilância!

vale lembrar a história contada, se não me engano pelo túlio, sobre o censo promovido na alemanha no início da era hitler. os alemães não viam problema em declarar sua religião, uma vez que esse seria apenas mais um dado estatístico a ser guardado pelo governo. o que aconteceu a todos que ingenuamente se delararam judeus é de conhecimento até do mundo mineral. por isso, vale a pena demais desconfiar de quam queira – ou pior, obrigue a – guardar seus dados particulares "apenas por precaução".

algumas notas importantes, pra finalizar

* ao contrário do que diz o tosco panfleto dos azeredistas, esse projeto é sim uma versão digital do AI5, pois transforma a exceção em regra e praticamente acaba com as redes abertas, o wifi, as redes comunitárias, os telecentros, etc, prejudicando gravemente os esforços feitos até hoje em direção à inclusão digital.

* "os artigos 285-A, 285-B e 22 são imprecisos, confusos e abrem espaço para a criminalização de cidadãos comuns e práticas saudáveis da cibercultura, são inócuos contra os criminosos, abusivos contra criadores e inovadores e arbitrários diante de cidadãos." (sérgio amadeu)

* o projeto não se presta a pensar e entender a revolução social, política e cultural possibilitada pela internet, se limitando a coibir e criminalizar o que porventura possa parecer ameaçador aos poderosos conservadores.

* a privacidade é um direito do cidadão, do qual este não deve nunca abrir mão!

finalmente (mesmo), agradeço demais a todos os debatedores por uma noite tão informativa e esclarecedora, em especial ao sérgio amadeu, que foi muito gentil ao me enviar por email o powerpoint que apresentou no evento.

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Saiba mais:
notas soltas sobre o mega não em bh (idelber avelar)
o que há de errado com o projeto azeredo? (túlio vianna)
ato contra ai-5 digital lota teatro da cidade em bh (vermelho.org)
entrevista com idelber avelar sobre o ai-5 digital no programa "mundo político" da tv assembleia-mg
talk show com com ronaldo lemos, sérgio amadeu e jomar silva sobre direito e intenet
impressões sobre o ato contra o ai-5 digital em bh (por frederico guimarães, no blog "trezentos")
sobre o ato público contra o ai-5 digital em bh (blog do c.i.s.c.o.)

atualização:
além de ter incluído alguns links no "saiba mais" logo acima, acho importante destacar que, nos comentários, o caribé informou a existência de uma comunidade sobre ciberativismo no ning. já me cadastrei e acho que todos que têm interesse no tema deviam cadastrar também, o ning é um ótimo lugar para centralizarmos as informações!

atualização 2:
olhando as estatísticas do blog, descobri que alguém chegou aqui por um link em um tópico na comunidade "juventude do psdb" sobre o ai5 digital. sim, você leu certo: juventude do psdb. e, talvez por estar tão acostumada a receber ataques e ofensas gratuitas, confesso que me surpreendi com uma bela discussão, acalorada, muitas vezes destemperada, mas recheada de argumentos para os dois lados. para os que sempre me acusam de petista xiita, taí: bato palmas para essa juventude que sabe questionar e não engole qualquer absurdo só porque veio do seu partido! eu precisava compartilhar isso.

Postado por Clarice, terça-feira, junho 02, 2009.


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Comentários:

(..)ao contrário do que diz o tosco panfleto dos azeredistas, esse projeto é sim uma versão digital do AI5, pois transforma a exceção em regra,

Clarice, antes de mais nada, muito bacana esse seu post. Achei particularmente interessante essa parte do seu post, talvez por ter participado há alguns dias de um debate sobre Carl Schmitt e a questão da Exceção no Direito; a Crise como o momento em que o Soberano se revela e decide sobre a a Exceção - que, no fim das contas, vira a Regra pela "força normativa dos fatos".

Eis a questão, o projeto de Azeredo é a materialização dessa ideia, a execeção que pode virar regra.
# posted by Blogger Hugo Albuquerque : 2 de junho de 2009 às 21:54
 
O projeto é de fato absurdo, mas há maneiras de se preservar a anonimidade (para o bem e para o mal) ao acessar a internet. A Electronic Frontier Foundation (EFF) disponibiliza, de graça, o Tor ( http://www.torproject.org ), um programa que anonimiza a navegação. Para impedir que pessoas não-autorizadas leiam seus e-mails, a maneira mais fácil é encriptá-los usando GPG ( http://www.gnupg.org ). O Thunderbird Portátil com Enigmail ( http://portableapps.com/apps/internet/thunderbird_portable ) é uma boa maneira de começar a usar assinatura digital e encriptação de e-mail. Vamos lutar pela liberdade e privacidade na internet!
# posted by Blogger Unknown : 3 de junho de 2009 às 08:54
 
Clarice querida, mas que colosso de cobertura! eu, que por óbvias razões geográficas por você conhecidas, não pude ir, senti-me contempladíssimo em minhas dúvidas e interesses sobre a questão.
vou divulgar no blogue, na próxima edição da zine, onde der.
alguém lá, por acaso, fez a pergunta que eu, se lá estivesse, faria: quantos assessores de comunicação de quantas empresas do $inhô, o deus mercado, escreveram esse PL do azeredo?
beso y clap, clap, clap!
espetáculo de cobertura!

ps - Cristóvam, vou adotar - e espalhar - as preciosímas dicas que você passou em seus comentários. gratíssimo, e um abraço.
# posted by Anonymous Anônimo : 3 de junho de 2009 às 09:01
 
Oi Clarice, ja existe comunidade no Ning, o Coletivo Ciberativismo e esta aberto a todos http://ciberativismo.ning.com
# posted by Anonymous Joao Carlos Caribe : 3 de junho de 2009 às 12:46
 
valeu, hugo! eu também gostei demais dessa explicação – que não foi minha, e sim do sérgio amadeu –, tão simples, tão óbvia e ao mesmo tempo tão importante para clarear definições sobre as quais a gente nem sempre para pra pensar. seu complemento também foi ótimo, obrigada!

cristóvam, pois é! essa infinidade de alternativas não deixa de ser uma prova de que quem estiver mesmo mal-intencionado não terá problemas em driblar a lei, enquanto inocentes permanecem vigiados e provedores gastam fortunas pra cumprir uma determinação absurda!

ah, pirata, mas vc sabe o quanto eu imaginei você lá, né? que tal vc agitar um mega-não aí no planalto tb? não fiz a pergunta e, sinceramente, não sei se alguém fez porque tive que sair antes do fim, mas acredito que, devido a registrada ausência dos "a favor", a maioria dos presentes era capaz de imaginar a resposta...

caribé, já me cadastrei lá! nem sempre é possível estar ativo todos os dias em uma comunidade, mas acho que assim mesmo é a melhor ferramenta para centralizar as mais diversas informações referentes ao tema, uma espécie de QG, eheheh! vou divulgar sim, com certeza! valeu!
# posted by Blogger Clarice : 3 de junho de 2009 às 15:29
 
Clarice, só agora ví seu post. Está maravilhoso.
Agora você está perdoada por não ter twittado o outro evento. :-)

[]
# posted by Blogger Internacionalistas Mundo Afora : 4 de junho de 2009 às 21:59
 
Clarice querida, até pensei mesmo em fazer uma edição aqui, mas o tempo me está tão curto - mas, ao mesmo tempo, a vontade me está tão grande...
vem cá: tem funcionado como, tipo um grupo só, meio que coordenando as edições, ou é livre? cê sabe?
se tiver alguém a quem deva me reportar, sabe me dizer quem?
acho fundamental fazer uma edição aqui, na vizinhança do cara - em termos,né? pois o último lugar onde essa cambada fica é aqui, a não ser de terça a quinta. dias ótimos, pois, pra se fazer o negócio, e, quem sabe, na rua, na esplanada, já pensou?
tá na hora de acabar com esse negócio de ambiente fechado. temos que ir pras ruas, cazzo!
ih, já comecei a fazer discurso...
vou vendo por aqui o que dá pra fazer, se dá, coisa e tal, te manterei informada. vice-versa?
beso
# posted by Anonymous Anônimo : 4 de junho de 2009 às 22:00
 
ahahaha... obrigada, myris. a gente faz o que pode. ;-)

pirata, eu não sei te responder, eu espalhei a chamada e fui lá participar, mas não acompanhei a organização... acho que um bom começo é participar da comunidade no de ciberativismo no ning, cujo link pus aí no fim do post, até pra ver quem mais de brasilia estaria disposto a colaborar nessa! eu daqui dou o maior apoio! :-)

bjos!
# posted by Blogger Clarice : 7 de junho de 2009 às 18:44
 
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